Disponibilização: quarta-feira, 27 de janeiro de 2016
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano IX - Edição 2044
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da via eleita, já que há pretensão da restituição ao erário, haver-se-ia necessário interpor-se ação popular. No mérito, ressaltou
a inexistência do ato de improbidade administrativa e pugnou pela rejeição da ação (fls. 152/191). A segunda requerida por sua
vez, arguiu em preliminar a prescrição e no mérito, sustentou a inexistência de ato de improbidade, ante a ausência de má-fé de
sua parte (fls. 233/236). O autor manifestou-se a fls. 242/249, pugnando pelo recebimento da demanda e prosseguimento do
feito. Sobreveio decisão judicial de fls. 241/256 que, afastou as preliminares suscitadas, recebeu a demanda e determinou a
citação dos requeridos. Inconformado, o primeiro requerido interpôs Agravo de Instrumento (fls. 259/308), sendo mantida a
decisão guerreada por seus próprios e jurídicos fundamentos (fl. 309), sobrevindo contraminuta do agravo pelo autor (fls.
318/330). Regularmente citados (fls. 317 e 339), os requeridos ofereceram contestações às fls. 343/355 e 356/387. A requerida
Rafema arguiu em preliminar a inépcia da inicial, cerceamento de defesa, prescrição e inadequação da via eleita e, no mérito,
pugnou pela improcedência da demanda. Enquanto o requerido João Michelin arguiu em preliminar a inadequação da via eleita
e, no mérito, improcedência da ação. Houve réplica às fls. 437/444. Instados a se manifestarem, o requerido João Michelin
protestou pela produção de prova testemunhal (fls. 447/452), o que foi deferido pelo Juízo (fl. 454). Ao passo que a requerida
Rafema requereu o julgamento antecipado do feito (fl. 453). Em audiência de instrução e julgamento, foram ouvidas as
testemunhas Mirtes Brisola de Almeida (fl. 466), Rogério dos Santos (fl. 550) e João Miguel Aith Filho (fl. 561), este último por
carta precatória, ocasião em se declarou encerrada a instrução. Inconformado com a decisão de fl. 496, que indeferiu os
benefícios da Justiça Gratuita, o requerido João Michelin interpôs Agravo Retido (fls. 501/504). À fl. 549, no uso do efeito
regressivo, o Juízo reconsiderou a decisão, a fim de conceder ao requerido João Michelin, os benefícios da assistência judiciária
gratuita, ante a documentação por ele apresentada. Houve provimento parcial do Agravo de Instrumento manejado pelo primeiro
requerido, ocasião em que se reconheceu a prescrição da aplicação das penas previstas no art. 12 da Lei 8429/92, ressalvandose eventual condenação por ressarcimento ao erário (fls. 539/542). Por fim, foram apresentadas as alegações finais do autor às
fls. 563/568, do primeiro requerido às fls. 581/624 e do segundo requerido às fls. 571/579. Os autos vieram-me conclusos para
julgamento. É o sucinto relatório. FUNDAMENTO E DECIDO. Incontroverso nos autos a aquisição sem licitação de mercadorias
pelo Município de Itaí, durante o exercício de 2004. Por outro lado, o conjunto probatório documental que instrui a peça vestibular
não apresenta qualquer elemento hábil a infirmar o alegado. A inicial está convenientemente instruída, fazendo emergir o direito
reclamado pela parte-demandante. Em consonância com a determinação trazida no art. 37, XXI, da Constituição Federal, o art.
2º da Lei 8.666/93 (Lei de Licitações) preceitua que “as obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações,
concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente
precedidas de licitação”. A obrigatoriedade da licitação é, portanto, a regra no âmbito da Administração Pública. Trata-se de um
procedimento administrativo que visa, por um lado, preservar e dar maior eficiência à gestão pública e, por outro, permitir o
tratamento isonômico de particulares que pretendam firmar contratos com os entes administrativos. Entretanto, a própria Lei
8.666/93 (com arrimo na ressalva trazida no início do inciso XXI, do art. 37, da Constituição Federal) estabelece algumas
hipóteses em que se permite ao administrador firmar contratos sem a prévia realização do certame (contratação direta): i)
dispensa de licitação arts. 17 e 24, da Lei 8.666/93 quando, embora possível a competição, o legislador permite que o
administrador promova a contratação sem que seja feito qualquer procedimento licitatório; e ii) inexigibilidade de licitação art.
25, da Lei 8.666/93 quando as especificidades do objeto contratual inviabilizam a concorrência. Para o deslinde da controvérsia
tratada nos autos, importa destacar que os arts. 23, II e 24, II, da Lei 8.666/93 estabelecem que: “Art. 23. As modalidades de
licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em
vista o valor estimado da contratação: (...) II - para compras e serviços não referidos no inciso anterior: a) convite - até R$
80.000,00 (oitenta mil reais)... Art. 24. É dispensável a licitação: (...) II - para outros serviços e compras de valor até 10% (dez
por cento) do limite previsto na alínea “a”, do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde
que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só
vez;” Assim, de acordo com o disposto no artigo 24, II, c.c. artigo 23, II, “a”, da Lei nº 8.666/93, a licitação é dispensável para a
aquisição de produtos cujo preço não supere R$ 8.000,00 (oito mil reais), devendo o administrador atentar para a proibição de
fracionamento injustificável do objeto contratual a fim de amoldá-lo aos limites impostos pela norma regente. Nos termos da lei,
a Administração Pública não poderá promover a dispensa da licitação com base no valor caso se trate de “serviço, compra ou
alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez”. Sobre o fracionamento da licitação, ensinam Emerson Garcia
e Rogério Pacheco Alves: “a identificação da fraude, empreitada nem sempre fácil de ser ultimada, deve ser feita com a
individualização dos seguintes fatores: a) preexistência, por ocasião da primeira licitação, das situações fáticas que serviram de
elemento deflagrador das demais; b) idêntica natureza dos objetos das sucessivas licitações; c) ausência de situação excepcional
(de natureza econômica, social, etc) que pudesse justificar a limitação do montante de cada uma das contratações (art. 23, §1º
da Lei nº 8666/93); d) que a licitação das partes, no caso de fracionamento justificado por situação excepcional, não observe a
modalidade que seria realizada para o todo (arts. 23, §2º e 7º, §1º, da Lei nº 8.666/93); e e) proximidade temporal entre as
licitações, o que será verificado em conformidade com as particularidades do caso. Em casos tais, tem-se determinadas
operações que, consideradas em sua individualidade, são lícitas, mas que visualizadas em conjunto perseguem um fim
juridicamente ilícito, sendo nulas de pleno direito.” (in Improbidade Administrativa, 4ª edição, Editora Lúmen Júris, Rio de
Janeiro, 2008, pg. 341). No caso dos autos, verifica-se que durante o exercício de 2004, o Município de Itaí efetuou a aquisição
de diversos produtos de forma fracionada, esquivando-se indevidamente da obrigatoriedade da licitação. Em razão da natureza
de tais produtos, é possível atestar que se tratam de bens de uso contínuo. Destarte, é inquestionável que o administrador
público deveria ter promovido a concentração das compras realizadas ao longo do exercício financeiro de acordo com o gênero
das mercadorias de que a municipalidade necessitava. E dos autos não consta qualquer justificativa concreta do Requerido para
o fracionamento das compras, não se identificando qualquer situação excepcional que pudesse justificar a limitação do montante
de cada uma das contratações (art. 23, §1º da Lei nº 8666/93). No que concerne ao elemento subjetivo que integraria os atos de
improbidade narrados na denúncia (dolo ou culpa), importa reconhecer que o Requerido era à época dos fatos, Presidente da
Câmara Municipal de Itaí. Assim, é de se exigir que ele estivesse plenamente familiarizado com as regras que norteiam os
contratos firmados pela Administração Pública, sobretudo a obrigatoriedade do procedimento licitatório. Não há como negar,
portanto, que ele violou conscientemente os ditames da Lei 8.666/93, afrontando o princípio da legalidade e atraindo para si os
efeitos decorrentes da prática de ato de improbidade previsto no art. 11, caput, da Lei 8.429/92: “Art. 11. Constitui ato de
improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os
deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim
proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência; II - retardar ou deixar de praticar,
indevidamente, ato de ofício; III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva
permanecer em segredo; IV - negar publicidade aos atos oficiais; V - frustrar a licitude de concurso público; VI - deixar de
prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo; VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da
respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.”
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º